uma vez que a Blog Drive fez o favor de impossibilitar, de vez, o uso de acentos graficos e pontuacao estranhos a toda e qualquer lingua, que nao o ingles, este blog tera continuidade aqui. espero que aqueles (ainda que, presumo, poucos) que me acompanhavam me acompanhem tambem nesta migracao. imensamente grato por estes anos todos, por mais de mil artigos/poemas/textos/etc, despeco-me com um ate breve. ate muito breve.
N.B.: para todos os que nao perceberam que o aqui era clicavel e reencaminhava automaticamente para o novo endereco, deixo o dito por extenso: lonely-gigolo.blogspot.com.
doi uma espinha no fundo da boca onde a lingua nao chega e onde as pessoas nao tocam nem quando te amo tanto a garganta com a ponta do sexo e te engasgas com aquilo que dizes serem "estrelas" mas, meu amor, e meita.
estrelas sao entidades mortas que vao chegando atrasadas aos nossos olhos, neste planeta.
ouvimos na qualidade de estrangeiros logo não falantes nativos da língua a explicação para fazer aquela actividade no parque e somos os únicos dois que na fotografia ficaram com a cabeça inclinada para a frente quase numa acção de proximidade para atenção maior contudo a fotografia não nos acompanhou quando decidimos não perder tempo com nada daquelas coisas tão modernas de actividades no parque no meio da cidade e decidimos ir antes ao café da esquina mais próxima beber chá e vinho tinto e falar do pôr do sol e dos teus cabelos e dos teus lábios.
"quando, daqui a dois anos, olhares para mim e para as coisas que disse, para as coisas que dissémos, que escrevemos, que jurámos, e em nada disso encontrares o sangue de agora, este animal selvagem que corre como flechas pelo meio das árvores e dos ossos, promete que não me odeias, que houve alguma coisa nossa e que isso merece um lugar na alma, um magnetismo na alma, que nunca se desligue, que nunca se apague. houve aqueles sítios e aquelas mãos foram as nossas, ainda vão sendo as nossas. quando o nosso amor não existir mais e olharmos para aqui é possível que não vejamos nada. mas, por favor, meu amor, quando olharmos para aqui ainda um bocado de nós vai estar a restar onde é isto. não me feches os olhos."
as pernas ardem um pouco mais abaixo dos joelhos conforme os teus lábios férteis sussurram ar contra o tórax destruído. como um tecto que ruiu, podem-se ver e tocar pequenos corpos estelares atrás dos ossos, furúnculos, animais estrangeiros com unhas luminosas, a dançar ao redor da árvore central do corpo, a fazer fogueiras rente à coluna vertebral. os lábios no teu rosto pela primeira vez em alguém apenas uma ferida feminina, com cheiro de estames violeta, de nuvens enroladas em vento azulado. tão teus, os lábios, entreabertos, com o cheiro, o vazio do cheiro, e as minhas pernas ardem, o meu fígado, os meus dentes, as coisas mortas de mim, cabelos, unhas, isso que está morto mas sobrevive quando morremos e cresce um pouco, ainda. as tuas pernas ardem um pouco ainda em torno da minha cabeça e apertam-me e sufocam-me e quando me lembro do teu nome não penso em princesas, penso em serpentes com penugem que esmagam, que constringem antes de destruirem as presas por afogamento. as tuas pernas são anacondas que ardem num amor que não acaba, mas os teus lábios entreabertos não cheiram a nada remotamente ofídio.
onde os dentes roxos encostam o esmalte nas pernas das mulheres velhas que passam pelas ruas sem ver que
a construção desmoronou e onde antigamente era uma oficina de mármores e granitos agora são paredes com placas e sombras
onde os dedos mas mais que os dedos as pontas dos dedos são de pais que levam os filhos para casas de banho públicas e gemem em cubículos ao lado de outros homens que cagam sem saber.
"a logofagia não existe, é um mito, uma ficção." em mundos diferentes, ou seja, num universo linguístico que é o teu, que envolve desvios e teorias mais científicas do que é a cabeça, o cérebro, de como funcionam as emoções, de como se explicam, talvez exista a logofagia, talvez a beleza seja só um gatilho muito concreto e básico de emoções, de hormonas, qualquer outra coisa, que tenha a ver com curvas, com ácidos, com sinapses. no entanto, sempre que falas, sempre que ris, sempre que tocas e acaricias e páras no supermercado porque uma garrafa fazia de contrapeso num caixote e ele cai para trás da prateleira, isso tudo é beleza, isso tudo é capaz de salvar todos os animais que morrem injustamente às mãos dos homens e das doenças.
A língua pode renascer em qualquer altura. O vento agita os ramos altos do cipreste; no escuro mármore lê-se ainda o meu nome. Morto, mas subitamente mais vivo, ouço os vastos barulhos terrestres e o anúncio subterrâneo da próxima catástrofe. Rindo-me para os bichos de quem sou a fria morada, abro e fecho os ossos do rosto num esgar de gozo. «Em breve o meu corpo regressará à superfície. Encontrar-me-eis, ó gente humana, nas idênticas circunstâncias do Juízo.» Nessa noite, os coveiros notaram uma insólita agitação no fundo da terra.
Nuno Júdice, in O Mecanismo Romântico da Fragmentação (1972)
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